sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conhecer BRANQUINHO DA FONSECA

As obras "O Barão" e "Rio Turvo", de Branquinho da Fonseca, acabam de ser publicadas, em hebraico (tradução de Dalit Lahav) e em Israel (Editora MABA), com um posfácio de Manuel Poppe. (*)
A edição é patrocinada pelo Ministério da Cultura, Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e pelo Centro Nacional do Livro de Israel.


Não gosto de viajar. Mas sou inspector das escolas de instrução primária e tenho a obrigação de correr constantemente todo o País. Ando no caminho da bela aventura, da sensação nova e feliz, como um cavaleiro andante. Na verdade lembro-me de alguns momentos agradáveis, de que tenho saudades, e espero ainda encontrar outros que me deixem novas saudades. É uma instabilidade de eterna juventude, com perspectivas e horizontes sempre novos. Mas não gosto de viajar. Talvez só por ser uma obrigação e as obrigações não darem prazer. Entusiasmo-me com a beleza das paisagens que valem como pessoas, e tive já uma grande curiosidade pelos tipos rácicos, pelos costumes, e pela diferença de mentalidade do povo de região para região.

Num país tão pequeno, é estranhável tal diversidade. Porém não sou etnógrafo, nem folclorista, nem estudioso de nenhum desses aspectos e logo me desinteresso. Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios,além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as minhas necessidades. Posso fazer algumas economias e, durante o mês de licença que o Ministério me dá todos os anos, poderia ir ao estrangeiro. Mas não vou. Não posso. Durante este mês quero estar quieto, parado, preciso de estar o mais parado possível. Acordar todas essas trinta manhãs no meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... Se soubessem como é bom! Como dá uma calma interior e como as ideias adquirem continuidade e nitidez! Para pensar bem é preciso estar quieto. Talvez depois também cansasse, mas a natureza exige certa monotonia. As árvores não podem mexer-se. E os animais só por necessidade física, de alimento ou de clima, devem sair da sua região. Acerca disto tenho ideias claras e uma experiência definitiva. É até, talvez, a única coisa sobre que tenho ideias firmes e uma experiência suficiente. Mas não vou filosofar; vou contar a minha viagem à serra do Barroso.

Ia fazer uma sindicância à escola primária de V... Foi no Inverno, em Novembro, e tinha chovido muito, o que dera aos montes o ar desolado e triste dessas ocasiões.

As pedras lavadas e soltas pelos caminhos, as barreiras desmoronadas, algumas árvores com os ramos torcidos e secos. Fui de comboio até à cidade mais próxima, onde depois tomei uma camioneta de carreira que me deixou, já de noite, numa aldeia cujo nome não me lembra. Disseram-me que havia uma hospedeira ao fundo da rua. Era uma velha casa em ruínas. Entrei e fui ter à cozinha, uma divisão comprida e escura, ao fundo da qual estava uma fogueira acesa. Ao pé da fogueira, uma velha sentada. Não me sentia à vontade. Estava embaraçado, sem saber o que devia fazer, quando chegou uma senhora a procurar por mim. Era a professora, que, sabendo da minha chegada, vinha esperar-me (...)


Branquinho da Fonseca, O Barão



Branquinho da Fonseca (que usou o pseudónimo de António Madeira) foi poeta, dramaturgo e ficcionista. Natural de Pala (Mortágua), nasceu a 4 de Maio de 1905 e faleceu a 7 de Maio de 1974.

Em 1925, ainda estudante de Direito em Coimbra, participa na fundação da revista literária Tríptico, dirigida por um grupo de jovens poetas como Vitorino Nemésio, Afonso Duarte e António de Sousa.

Da convivência deste grupo e dos seus colaboradores, entre eles José Régio, veio a surgir, em 1927, uma nova revista: Presença. São seus directores José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca. Foi, juntamente com a Orpheu, uma das revistas fundamentais da literatura portuguesa do século XX. Órgão do chamado segundo modernismo, assumindo-se como «folha de arte e crítica», deve-se-lhe um papel fundamental na difusão do grupo do Orpheu, tomando como mestres os escritores do primeiro modernismo português (Pessoa, Sá-Carneiro, Almada Negreiros).

Em 1930, deixa a direcção da Presença para fundar, com Miguel Torga, a revista Sinal, que teve apenas um número publicado.Entre entras actividades e colaborações em revistas literárias, ocupa, em 1943, o lugar de Conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, em Cascais. Põe, então, em prática a primeira experiência, realizada em Portugal, no domínio das bibliotecas itinerantes. Uma carrinha do Museu vai proporcionar a grande parte da população do concelho, o empréstimo domiciliário de livros. Por esse facto, foi convidado pela Gulbenkian para organizar e dirigir o seu Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas, a partir de 1958, tendo sido seu primeiro director até à data da sua morte.
Bibliografia
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Poesia - Poemas (1926), Mar Coalhado (1932)
Teatro - Posição de Guerra (1928), Teatro I (1939)
Ficção - Zonas (1931), Caminhos Magnéticos (conto,1938), O Barão (novela, 1942), Rio Turvo (conto,1945), Porta de Minerva (romance, 1947), Mar Santo (novela, 1952) e Bandeira Preta (conto, 1956)
Outras: Contos Tradicionais Portugueses e As Grandes Viagens Portuguesas
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(*) Manuel Poppe tem travado uma incansável luta de divulgação de grandes escritores portugueses. Para que não caiam no esquecimento…