sábado, 14 de junho de 2008

Conhecer CRISTÓVÃO DE AGUIAR


[…] Sabes, Fernando, o mal do mundo é a gente não se contentar com a nossa sorte. Feliz daquele que se conforma. Hás-de compreender que o mundo é todo igual, digo isto por experiência própria. Tantas vezes ouvi teu avô desonrando a nossa Ilha, que só a América era um mar de rosas. Então, dizia ele, na Primavera a América é linda. Teu pai na mesma, que excomungada Ilha esta, e levou a vida nesse fado batido. Agora que já conhece a terra da América digo-lhe: não sei como teu pai dizia que a Primavera aqui era um paraíso. E ele responde-me: “Este mundo é uma treta, é todo igual”. Agora o que ele mais deseja é regressar à Ilha, aos seus bocadinhos de distracção, à noite, no Canto da Fonte, na conversa com os amigos, às suas galinhas, pombas e coelhos. O que lhe repugna é a oficina, do mais sente tantas saudades, que qualquer dia, quando amealharmos um dinheirinho, a gente desapega-se daqui para fora. E eu também me sinto aqui um pouco aborrecida. Não quero com isto dizer que os ganhos não sejam bons, mas, se fôssemos fazer vida de lóias, podes ficar sabendo que não se amanhava nada. Há aqui famílias que vieram das Ilhas que só têm dívidas e pouco mais. Querem automóveis de luxo, trocam-nos todos os anos, e ornamentos nas suas casas, mudam de mobília vezes sem conta e depois ficam admirados com as prestações que têm de pagar. Sabes muito bem que somos económicos, dispensamos certas tolices, por isso teu pai tem já o seu dinheiro fresco, no Banco, a render. Digo-te mais uma vez que o mundo é todo igual e bem tolo serás tu se daí saíres como andas a pensar. Quem nunca saísse do seu caminho, porque, na fim, o emigrante arranja uma doença séria: custa-se a sair de cá, tem saudades da sua Ilha, e vive neste balancé, sem saber muito bem o que quer e assim se acaba nesta inquietação. […]


Cristóvão de Aguiar, Trasfega


1 comentário:

Lapa disse...
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